Viver pra ter o que contar
Uma narrativa sincera sobre viver, amar e contar histórias que vão além das lancheiras e do cotidiano doméstico
Eu amo conversar. Conversar é, para mim, a mais límpida fonte de enriquecimento pessoal, na escolha de palavras vou me conhecendo melhor, construindo e desconstruindo quem sou. Das coisas que eu mais sinto falta da minha antiga vida em Florianópolis é das conversas com meus amigos da juventude. Naquela época de faculdade, cada diálogo contribuía para uma versão mais rica de mim mesma, moldando minha autocompreensão, a construção da minha identidade. Cada conversa me deixava sempre mais interessante.
Na inevitável dispersão que ocorreu ao longo do tempo, hoje cada um tem sua vida, sua família, sua rotina. Quando nos encontramos é como se houvéssemos falado todos os dias nos últimos anos, mas a verdade é que, provavelmente fiquemos anos se nos falar.
Recentemente, retornei a Floripa para uma decisão difícil - a venda de um imóvel que ainda me ligava à cidade. O ato de me desvincular emocionalmente do imóvel foi um processo desafiador, um desenlace que adiei por anos. Em algum lugar da minha cabeça, se eu me desprendesse daquele apartamento estaria perdendo o vínculo, me afastando de um lugar pra onde voltar, de um pedaço de mim, de uma parte da minha história a qual sou muito apegada. Uma fase da minha vida que era cheia de emoção e aventuras diárias, de loucuras e histórias pra contar. Daqui para frente, não há mais razões burocráticas que me obriguem a retornar, apenas o calor acolhedor dos amigos de toda uma vida.
A venda do imóvel não foi apenas um ato transacional, mas uma jornada de autoconhecimento.
Tenho uma chama incessante. Gosto de viver para acumular experiências, pra me sentir interessante. Uma vida estruturada na família dificulta o fogo no rabo. Dificulta a vida louca pra alguém que sabe da sua responsabilidade.
Viajar sozinha passou a estar na minha lista de coisas imprescindíveis e inegociáveis para que a rotina da vida em família não apague o brilho dos meus olhos. E estou falando de viajar pra voltar ao básico da individualidade: decidir sozinha o que vou comer, o que vou assistir, apresentar só o meu documento na imigração. A vida em família, por vezes, vai engolindo. Devorando a autoimagem, a identidade e as conversas profundas.
Este ano, mergulhei de cabeça na vida familiar porque quis, porque decidi, porque queria saber como era. Nessa viagem a Florianópolis, onde me distanciei e reconectei com quem já fui, me lembrei que viver é contar histórias e eu não quero só contar histórias sobre a lancheira do meu filho. Não quero ser apenas uma solucionadora de problemas do lar, do teto de casa ou do que vamos comer no almoço. Dá pra fazer tudo isso ficar mais interessante? Se alguém sabe compartilha.
Quero viver para ter o que contar.
Em Floripa encontrei com várias amigas e quero trazer pra cá trocas que renderam muitos insights sobre relacionamentos, levantando questões complexas sobre a identidade pessoal e escolhas individuais dentro dos relacionamentos amorosos. Bem do jeitinho que eu gosto <3
No dia em que finalizei a venda do apartamento, saí para um happy hour com uma amiga incrível, mãe de um garoto de 9 anos, separada e totalmente decidida a não se casar novamente.
Mergulhamos em uma conversa profunda sobre a escolha consciente de viver perpetuamente na fase de deslumbramento dos relacionamentos amorosos. Aquela onde você está conhecendo a pessoa, onde está se apresentando ao outro, vendendo sua melhor versão. É o momento em que, na realidade, estamos nos apaixonando pela narrativa que construímos sobre nós mesmas, destacando o nosso melhor e deixando fora dessa edição toda a nossa bagunça interna e externa.
É uma delícia, mas não se mantém aos 10, 15, 20 anos de relacionamento. Isso porque a gente não consegue contar esse conto da carochinha editado pra si mesma durante 10 anos. Porque mais do que o outro saber nossos defeitos… NÓS sabemos nossos defeitos.
Para explorar as complexidades das fases mais evoluídas dos relacionamentos, encontrei outra amiga, casada há duas décadas, mãe de dois filhos, e enfrentando dilemas semelhantes aos meus. A vida da família dela foi construída em torno do trabalho do marido, uma realidade que levanta questões profundas sobre a identidade pessoal e as escolhas feitas ao longo do tempo.
Quem são os indivíduos que conseguiram manter relacionamentos vibrantes ao longo dos anos, superando as dificuldades com criatividade e comprometimento? Onde vivem? Do que se alimentam? Como mantemos a paixão por nós mesmas, mesmo quando a convivência prolongada destaca nossas imperfeições?
Hoje, vivi um episódio quase cômico: quase tive que entrar no container de lixo da rua porque, distraída, a chave do carro foi parar dentro do lixo reciclável. Como faço para me apaixonar por mim todos os dias, apesar das minhas trapalhadas? No final das contas, compreendi que sou eu quem devo manter-me interessante para mim mesma… E minha distração frequentemente me faz sentir mal a respeito de mim mesma.
Falamos sobre um aspecto crucial: a carga mental. E eu tenho minha opinião pessoal sobre isso. Na minha experiência, percebo que a estratégia não tão simples, não é “apenas” divisão igualitária do cuidado.
Aqui em casa, cada um se dedica 100% ao filho. A divisão é equitativa, mas, como Ramiro não enfrenta o déficit de atenção que eu tenho, retém mais informações. Ele sabe detalhes sobre consultas médicas e eventos do grupo da escola. No entanto, o desafio é que, se a mãe e o pai se dedicam 100% ao filho, não sobra muito espaço pra individualidade ou para o casal. Lembrei das palavras da Maria Ribeiro no podcast Mil e uma Tretas: “a divisão ideal só ocorre quando há separação. Que aí cada semana o filho fica com um cuidador.”
Bingo! Quando você está sem o filho, torna-se 100% dona de si e do seu tempo. Essa autonomia proporciona um valioso espaço para nutrir a paixão por si mesma, pra fazer coisas que você acha que te tornam interessante. Como abrir esse espaço na agenda sem abrir mão do relacionamento, da família?
Viajar sozinha tem sido a minha resposta.
Sabendo da importância da autonomia para nutrir a paixão por mim mesma, viagens são separações temporárias benéficas para o relacionamento, para o relacionamento comigo mesma.
Os diálogos profundos com minhas amigas ressoaram em mim, destacando como as diferentes fases dos relacionamentos apresentam desafios únicos e levantam questões importantes sobre a autenticidade, as expectativas e as escolhas que fazemos em nossas vidas. Nada do que eu falei está cravado em pedra, foram ideias que fomos discutindo de forma fluida e sem julgamentos, tentei trazer os highlightis pra cá, já que compartilhar essas experiências é uma forma de nos conectarmos, aprendendo umas com as outras enquanto navegamos pelas complexidades da nossa própria jornada.
Que lindo esse post, são perguntas que todas nós fazemos diariamente.
Me encontrei nas trapalhadas (sempre esqueço de colocar fermento nos bolos HAHHAHAH ) e nas cobranças pessoais feitas por ngm menos que eu mesma!
Ano que vem me caso (nao sei se recomendo, ainda nao provei kkk ) mas fico aqui me perguntando pq diabos eu queria tanto ser pedida em casamento? Ainda nao encontrei a resposta, mas cada vez que preciso decidir uma coisa da festa e do casamento em si me pergunto de novo... depois de 6 anos e meio juntos que diferença fazia ?! Rs rs rs (risos nervosos!)
O que me salva em meio a tantas duvidas è sempre a nossa risada gostosa quando rimos juntos na cozinha de pijama depois de um dia turbulento <3 a vida ordinaria é a melhor!
Ela volta inspirada! Viajar sozinha faz muito bem mesmo, e você traduziu esses sentimentos nesse texto que é um abraço. Adorei!